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A história da Reforma Psiquiátrica

Atualizado em 13/05/2019
Por Redatora Casule

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A história da Reforma Psiquiátrica

A história da Reforma Psiquiátrica

A História da Loucura no mundo é repleta de distintas formas de abordagens ao longo dos tempos. Primeiramente, na Antiguidade e na Idade Média, a loucura dispunha de certo grau de liberdade, ou seja, muitas vezes eles tinham a oportunidade de circular entre as pessoas “normais”, fazendo parte do cenário e das linguagens sociais. Contudo, não podemos esquecer que existiam também, nessas épocas, formas de encarceramento dos loucos, ou formas mágicas e religiosas que abordavam a loucura. No entanto, nenhuma dessas formas de se relacionar com a loucura prevaleciam, ou seja, cada lugar ou cada época abordavam ela de forma distinta.

     No final do século XVIII a loucura passa a ser abordada, na sociedade ocidental, de forma hegemônica e universal, ou seja, os sujeitos que possuíam algum tipo de transtorno mental eram internados em instituições psiquiátricas. Muitas vezes, as internações ocorriam nos chamados hospitais gerais, que frequentemente eram de origem religiosa. Esses hospitais não possuíam funções curativas, eles limitavam o tratamento a uma forma punitiva do pecado da inatividade. “O louco não era percebido como doente, e sim como um dentre vários personagens que haviam abandonado o caminho da Razão e do Bem” (Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais, 2006).

        Ao passar do tempo, mas ainda no final do século XVIII, entendia-se que os loucos não podiam circular entre as pessoas “normais”, devido ao risco que eles representavam para a sociedade. Eles passaram a não ser mais vistos como pecadores, e sim, como doentes que careciam de tratamento. Assim, com o objetivo de “curar” esses doentes foram criados os manicômios, que eram instituições onde os mesmos eram internados para tratamento da loucura.

        Segundo a Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (2006), os manicômios tinham a função de trazer o doente à realidade, ou seja, eles acreditavam que a doença fazia com que a pessoa perdesse a distinção entre o bem e o mal, e que para ocorrer a cura o doente deveria reaprendê-la. Consequentemente, se um doente cometesse um ato impróprio ele deveria ser advertido e punido para que reconhecesse seus erros. No entanto, essas instituições que tinham um objetivo curativo não apresentavam qualquer avanço em termos terapêuticos, ou seja, os doentes mentais passaram a permanecer toda a sua vida dentro dos hospitais psiquiátricos.

        No século XX, as instituições de internação psiquiátrica tiveram um enorme crescimento em número e se tornaram cada vez mais repressivas. Elas passaram a ser uma espécie de depósito de “lixo da sociedade”, ou seja, o que não condizia com o padrão de normalidade imposta pela sociedade era jogado nessas instituições. O isolamento, o abandono, os maus-tratos, as péssimas condições de alimentação e de hospedagem, agravaram-se progressivamente nos manicômios.

Assim, posteriormente a Segunda Guerra Mundial, em meados da década de 50 nos EUA e na Europa, começavam a surgir os primeiros movimentos de Reforma Psiquiátrica. As claras limitações das instituições de internação psiquiátrica, concomitantemente com as frequentes denúncias de abandono, de violência, de isolamento e de cronificação dos doentes foram essenciais para a criação de propostas de reformulação no tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais.

A partir disso, dá-se início, em vários países, aos movimentos de desinstitucionalização, que propunham a transferência dos cuidados psiquiátricos do nível hospitalar para os serviços fundamentados na comunidade (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008). Segundo Vidal et al. (2008), a desinstitucionalização é definida com base em três componentes essenciais: a diminuição das admissões hospitalares pelo fortalecimento de serviços comunitários; a desospitalização, após preparação, de pacientes internados por longos períodos; e a criação e manutenção de uma rede de serviços na comunidade para atender a esses pacientes.

No EUA, a ideia da reforma psiquiátrica desenvolveu a ideia de um modelo preventivo, que se baseava na crença de que seria possível prevenir todas as doenças mentais, uma vez que elas poderiam ser detectadas precocemente. Para isso, foram construídos centros de saúde mental que ofereciam atendimento de emergência, hospitalização parcial e integral, ambulatório e educação para a comunidade. (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008). 

Assim sendo, a reforma psiquiátrica trouxe diversas mudanças no âmbito da saúde mental. Desde a década de 50 até hoje, o foco de assistência a portadores de transtornos mentais deslocou-se progressivamente do hospital para o âmbito comunitário, ou seja, cada vez mais está havendo o fechamento ou redução expressiva no número de leitos de hospitais psiquiátricos (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008). 

Diante disso, surgiu também a necessidade de acolher uma demanda de internos de hospitais psiquiátricos, que não tinham onde ficar, seja por não ter família, seja pela família não o querer em seu convívio familiar. De tal modo, foram criados os Serviços de Residências Terapêuticas com o intuito de abrigar essas pessoas desinstitucionalizadas. 

      Contudo, apesar da desinstitucionalização trazer vários resultados positivos e a possibilidade de recuperação e reinserção dos pacientes em vários países do primeiro mundo, ainda há muito o que se fazer. Muitas pessoas não se beneficiaram desse processo em razão de dificuldades, carência de recursos e equívocos na implantação e no desenvolvimento dos serviços comunitários, ou seja, apesar da proposta da reforma psiquiátrica ser ótima, ainda não foi possível uma efetivação dessas (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008).

Reforma Psiquiátrica Brasileira

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De acordo com a Escola Nacional de Saúde Pública (ENSP), a reforma psiquiátrica é considerada como processo histórico de formulação crítica e prática, com o objetivo de questionar e elaborar propostas que visem à transformação do modelo clássico, bem como do paradigma da psiquiatria (Amarante, 1995, citado por Tenório, 2002). O que se convencionou chamar reforma psiquiátrica corresponde ao movimento denominado desinstitucionalização, definido com base em três componentes essenciais: a diminuição das admissões hospitalares pela provisão de serviços comunitários; a desospitalização, após preparação, de pacientes internados por longos períodos; a criação e manutenção de uma rede de serviços na comunidade para atender a esses pacientes (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008).

Os primeiros movimentos da reforma psiquiátrica brasileira iniciaram-se na década de 1970, durante o período da ditadura militar, dado que houve enormes críticas ao caráter privatizante da política de saúde governamental e à ineficiência da assistência pública em saúde. Além disso, também surgiram as denúncias de fraude no sistema de financiamento dos serviços e, principalmente, as denúncias de abandono e maus-tratos que ocorriam nos hospitais psiquiátricos do País (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008).

Outro ponto importante concernente ao período histórico de início da reforma se refere às necessidades de mudanças nos âmbitos econômico, político e cultural do país, em um contexto de reivindicações de mudanças políticas e da luta dos movimentos sociais. Sendo assim, pode-se dizer que a Reforma Psiquiátrica segue alinhada ao processo de redemocratização do país (Ferreira, 2006). De acordo com Hirdes (2009), é possível observar na reforma psiquiátrica brasileira a interposição de períodos de intensificação das discussões e de surgimento de novos serviços e programas contrapondo-se a períodos de lentificação do processo.

As discussões acerca da Saúde Mental no Brasil surgiram ainda sob grandes influências dos movimentos reformistas que ocorriam na Europa e nos Estados Unidos; assim, vários setores da sociedade civil brasileira foram mobilizados em favor da luta pelos direitos dos pacientes, sendo a reflexão sobre a loucura integrada no quadro de discussões das universidades, dos meios intelectuais e dos profissionais de instituições psiquiátricas, envolvendo posteriormente outros setores da sociedade (Vidal, Bandeira, Gontijo, 2008).

A busca de superação do modelo manicomial tradicional encontra força nas políticas de saúde do Brasil que tiveram um marco teórico e político na 8ª Conferência Nacional de Saúde (1986), na 1ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1987), na 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental (1992), culminando na 3ª Conferência Nacional de Saúde Mental, em 2001 (Hirdes, 2009). Ainda que as discussões acerca das necessidades de mudanças no contexto da saúde mental já ocorressem desde os anos 70, somente em 1992, com a realização da 2ª Conferência Nacional de Saúde Mental, é que a Reforma Psiquiátrica passa a ter características mais definidas no campo sócio-político, visto que há uma maior representação dos usuários de serviços em saúde mental, bem como o questionamento do saber psiquiátrico e o dispositivo tecnicista frente a uma realidade que só eles de fato conheciam; assim, os usuários pedem o fim dos manicômios e a criação dos outros dispositivos de assistência em saúde mental (Ferreira, 2006).

Um outro ponto histórico importante para a saúde mental foi a Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica, realizada em Caracas, em 1990. Neste encontro, no qual o Brasil foi representado e signatário, foi promulgado o documento final intitulado “Declaração de Caracas”, no qual os países da América Latina “comprometem-se a promover a reestruturação da assistência psiquiátrica, rever criticamente o papel hegemônico e centralizador do hospital psiquiátrico, salvaguardar os direitos civis, a dignidade pessoal, os direitos humanos dos usuários e propiciar a sua permanência em seu meio comunitário” (Hirdes, 2009). Ainda na perspectiva da ampliação do escopo e da importância do movimento, é instituído o dia 18 de maio como Dia Nacional da Luta Antimanicomial, visando a potencializar a conscientização e preocupação de diversos âmbitos da sociedade quanto à importância do movimento (Tenório, 2002).

Ainda que os hospitais psiquiátricos concentrassem mais 88% dos recursos orçamentários do SUS destinados à saúde mental, e do relatório da III Conferência Nacional de Saúde Mental prever que, até o ano 2004, fossem extintos todos os leitos em hospitais psiquiátricos no Brasil, reafirmando-se, assim, o projeto “Por uma Sociedade sem Manicômios”, o atual contexto com o qual nos deparamos ainda contempla, de certa forma, o hospital psiquiátrico. No entanto, um dado positivo diante de toda essa dificuldade diz respeito ao aumento dos investimentos nos serviços substitutivos, sobretudo a partir do ano de 2004 (Hirdes, 2009).

Referências:

Secretaria de Estado de Saúde de Minas Gerais (2006). Atenção em saúde mental: Saúde em Casa. 

Vidal, C. E. L., Bandeira, M., Gontijo, E. D. (2008). Reforma psiquiátrica e serviços residenciais terapêuticos. Jornal Brasileiro de Psiquiatria, 57(1).

Tenório, F. (2002). A reforma psiquiátrica brasileira, da década de 1980 aos dias atuais: história e conceito. História, Ciências, Saúde-Manguinhos, 9(1).

Ferreira, G. (2006). A Reforma psiquiátrica no Brasil: uma análise sócio-política. Revista Psicanálise e Barroco.

Hirdes, A. (2009). A reforma psiquiátrica no Brasil: uma (re)visão. Rio de Janeiro: Ciência e saúde coletiva, 14(1). 

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