Há quem só consiga ser feliz quando tem alguém para fazer planos de juntar as escovas de dente. Há quem sinta um desconforto inexplicável em fazer uma caminhada, ir ao teatro ou até mesmo frequentar a academia desacompanhada. Há quem sinta uma dor descomunal – beirando à enfermidade – ao se pegar sozinha no fim de semana à noite, de pijamas e sem planos de bebedeiras épicas. Todo mundo espera alguma coisa de um sábado à noite, menos dormir antes das dez. Há quem não suporte a ideia de fazer uma viagem sozinha, porque para a maioria dessas pessoas, felicidade é um combo que inclui muitos amigos e companhias inseparáveis – muitos dirão que um álbum de viagem com várias selfies de um rosto só é de muito mau gosto.
Há quem sinta muito medo de envelhecer; não pelo aparecimento das inevitáveis rugas ou pela possível perda gradativa de memória, mas pela solidão que, muitas vezes, bate à porta de mãos dadas com todos os sinais que evidenciam que estamos mais perto do fim. Há quem não consiga decidir que calça comprar se não tiver a opinião da mãe, do amigo ou de quem quer que seja. Há quem não veja motivos para abrir uma garrafa de cerveja e celebrar a vida se não estiver na presença da torcida do Flamengo inteira – com muita risada e música estourando os tímpanos, de preferência.
Em 1967 o mestre Tom Jobim compunha a música “Wave” ou “Vou te contar”. O sucesso foi interpretado por diversos artistas de renome, entre eles Elis Regina e Frank Sinatra. A música é linda, de uma leveza e poesia inenarráveis (como todas as composições do Tom) e chama atenção para um trecho, em especial: “Fundamental é mesmo o amor/ é impossível ser feliz sozinho”. Concordo que o amor seja fundamental e acredito que esse sentimento é o combustível essencial das nossas vidas.
Mais essencial que o amor em sua forma genérica, é o nosso amor-próprio, que está intimamente ligado ao prazer em estarmos na nossa própria companhia, e ponto. A dependência irrefreável de estar rodeado de pessoas o tempo todo pode ser tão perigoso quanto qualquer droga psicotrópica: a abstinência de gente pode levar à tristeza profunda e à banalização do viver. Contudo, o tratamento é simples e não tem contra-indicações: aceitar os pequenos momentos em que estamos completamente solitários e desfrutá-los com o mesmo prazer que desfrutaríamos de um almoço de domingo com a casa cheia. Importante lembrar que a palavra solidão tem interpretações ambíguas, podendo significar estar só dentro de um espaço físico ou sentindo-se com a alma solitária em meio a uma multidão. Solidão nada tem a ver com a falta de pessoas ao nosso redor, e sim com um estado de espírito. Portanto, reveja seus conceitos.
Não há nada de errado em gostar da muvuca, da algazarra, dos oito primos correndo pela casa em meio à repreensão da mãe, das quatrocentas pessoas se espremendo numa casa noturna onde cabe menos da metade ou da companhia de todos os seus amigos do facebook, juntos. É importante e saudável conviver com outras pessoas, se relacionar, sentir o calor humano; entretanto, não podemos fazer disso uma regra, pois só temos a perder, afinal, não sentir prazer na nossa própria companhia é uma afronta contra nossas próprias qualidades e virtudes.
FONTE:ounge.obviousmag.org/inquietacao_cronica/2015/02/e-impossivel-ser-feliz-sozinho.html