Experiência humana intrigante, que o tempo todo nos encanta e confunde. A sabedoria popular encontra relações causais entre um determinado tipo de sonho e certo acontecimento; ou credita-lhe poderes de revelação sobre o futuro ou sobre enigmas; ou ainda de cura e insights para soluções de problemas do dia-a-dia. Há, portanto, uma série de crenças a respeito dos sonhos, seus poderes e significados.
E na psicologia, qual seu valor?
Estas perguntas têm sido respondidas de forma diferente em cada uma das abordagens. Freud (1976), destaca a interpretação do sonho como técnica importante para acesso e entendimento do Inconsciente. Para Jung (1996), os sonhos têm função compensatória, ao apresentar ao ego pontos de vista que são complementares às atitudes dominantes quando acordados, além de revelar o inconsciente coletivo. A Gestalt entende os sonhos como produto pessoal do sonhador, e todos os elementos introduzidos nele como projeções dos aspectos da sua personalidade (Perls, 1977). Para os behavioristas radicais, os sonhos são comportamentos discriminativos que trazem informação relevante sobre a história passada e as contingências de reforçamento atuais (Skinner, 1976). Concorda-se, então, que é uma atividade do ser humano que pode ser valorizada em psicoterapia.
Logo no início da terapia cognitiva, foi observado que os temas dos sonhos de um paciente são pertinentes para entender seus padrões comportamentais observáveis quando acordado. Os temas dos sonhos são análogos aos conteúdos com os quais o paciente sofre quando acordado (Beck, 1967). Os sonhos são típicos da maneira de funcionar de cada um e que seguem os mesmos processos pelos quais pensamentos automáticos e distorções cognitivas são produzidos durante o estado acordado. São compreendidos em termos dos temas e do contexto de vida e não como termos simbólicos. O conteúdo temático dos sonhos deve ser relacionado diretamente às preocupações do cotidiano do paciente. A linguagem específica e as imagens de um sonho são importantes para sua compreensão, como também as respostas emocionais do paciente às mesmas. Felicidade, ansiedade, tristeza têm os mesmos efeitos para o paciente tanto no sonho quanto quando acordado.
A pessoa que sonha não é um observador passivo. Ela participa ativamente na integração da explosão caótica do material visual com informação emocionalmente carregada proveniente dos temas de sua vida. Dessa forma, ela ativamente dramatiza as crenças sobre si mesma, sobre o mundo e sobre o futuro. Por isso, o material do sonho reflete os conteúdos dessa tríade cognitiva, e contém as distorções cognitivas nesses três domínios.
Os sonhos
Os sonhos também podem ser utilizados quando o paciente chegou a um bloqueio na terapia, quando ele não consegue mais trazer material para ser analisado e não consegue colaborar mais na análise dos conteúdos das vivências acordadas (Freeman & Bayll, 1992). Um ponto importante é que o próprio paciente deve interpretar seus sonhos. De acordo com o princípio do trabalho colaborativo, que é essencial na terapia cognitiva, o terapeuta tem um papel de guia que acompanha e não de um perito que conhece os sentidos dos sonhos (Freeman & Bayll, 1992). Os sonhos oferecem poderosas metáforas para as crenças que não poderiam ter sido ativadas de maneira tão direta por um outro procedimento que pela análise dos sonhos.
Os relatos de sonhos normalmente são tratados somente como uma parte da agenda de uma sessão, porém eles têm várias vantagens na terapia cognitiva. Permite aos pacientes ter um papel criativo durante a exploração dos conteúdos e entender o seu sentido, e a partir daí conhecer e reconhecer certas crenças fundamentais e distorções cognitivas que influenciam seu cotidiano (Beck, 1971).
O paciente pode aprender a identificar uma lição no conteúdo do sonho, que o pode ajudar nos problemas do cotidiano. Alternativamente, ele pode encontrar certos momentos e imagens no sonho que lhe trazem inspiração para descrever possíveis experiências futuras. O terapeuta pode também solicitar que o paciente anote diariamente os sonhos que se lembra, e as imagens que deles provêm podem servir como material durante a sessão (Freeman & Bayll, 1992).
O trabalho terapêutico
Muitas vezes, os sonhos são trazidos espontaneamente pelo cliente e podem ser parte da agenda daquela sessão como qualquer outro assunto. A história do sonho é uma oportunidade extra para identificação, questionamento e reformulação de crenças.
Registros de sonhos, fragmentos ou imagens devem ser pedidos de forma análoga aos registros de pensamentos disfuncionais. Quando ocorreu o sonho, qual era a cena, o que pensou, o que sentiu e o que fez. Os personagens envolvidos também serão explorados, pois podem trazer diferentes perspectivas sobre o tema.
Técnicas de reestruturação cognitiva, compreensão e questionamento das crenças, criação de finais alternativos ou solução de problemas, e auto-instruções podem resultar na mudança de humor e no desenvolvimento de habilidades de controlar e interferir em sonhos aflitivos ou repetitivos. O conteúdo e as imagens dos sonhos são sujeitos à mesma reestruturação cognitiva que os pensamentos automáticos.
Referências
Shinohara, Helene. (2006). O trabalho com sonhos na terapia cognitiva. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas, 2(2), 85-90. Recuperado em 16 de maio de 2018, de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-56872006000200008&lng=pt&tlng=pt.
Vandenberthe, L. Pitanga, A. V. (2007) A análise de sonhos nas terapias cogntivias e comportamentais. Estudos de Psicoloia, Campinas, 24 (2), 239-246. Recuperado em 16 de maio de 2018, http://files.metacognitiva.com/200000149-8566886606/A%20an%C3%A1lise%20de%20sonhos%20nas%20terapias%20cognitivas%20e%20comportamentais.pdf